O salto dos olhos
Por Natália D`Agostin Alano.
Eu jamais poderia usar desse espaço para discutir quaisquer características que compõem a arte de Paulo. Tampouco sei de arte, tampouco sei do olhar mecânico de uma câmera. Por isso, aos que compreendem fotografia, me desculpem. Aos que expressam fotografia, permitam-me!
Permitam-me, antes de mais nada, deixar para trás toda aquela retórica cansada e genérica sobre o ‘olhar de quem fotografa’; em momento algum eu teria a pretensão de discorrer sobre os olhos de Paulo. Nem mesmo me colocaria a falar sobre a composição visual de uma arte fotográfica. Minha fala, minha escrita e meu balbucio giram – tão somente - em torno da minha própria retina.
O que vejo? O que me é dito?
Antes mesmo dessa escrita se tornar um texto, outras palavras rodearam minha criação, outros rascunhos foram feitos! E num deles houve a tentativa de relacionar a arte de Paulo com o que Larrosa (2002) escreveu sobre a experienciação¹; aquilo que nos passa, aquilo que nos toca, aquilo que nos acontece! Um contraponto à informação, ao conhecimento (no sentido estritamente moderno), e à opinião – que nos excitam e nos agitam, mas jamais nos tocam, tal qual a experiência! Pois, mesmo que bem informados, permanecemos os mesmos!Já que na informação, não há silêncio, não há tempo, não há ‘o parar’. Há o julgamento, a opinião e a hiperatividade.
A experiência é a exposição, a vulnerabilidade, a interrupção. Um clic?
Acabei, então, por achar a arte de Paulo uma experiência. Mas, após algumas releituras comecei a me dar conta de que talvez a minha conclusão tenha sido precipitada. Pois, está claro que a própria fotografia, de um modo geral, também é informação (seja por quem fotografa, seja por quem a aprecia). Fotografia também é política! Há ideologia dentro dela e informação visual suficiente para que os maiores julgadores e críticos se lambuzem com as suas opiniões. No entanto, como explicar a minha quietude e o meu observar atento quando as fotografias de Paulo me saltam os olhos? Poderiam elas se separar em experiência corpórea e informação cerebral?
De um lado, o sensível, o vulnerável. Quando ao fotografar ou ao observar uma fotografia, o sentimento se apresenta em tato, em pele. É o momento em que só você pode descrever o que se passa e ainda assim, a sua completa acepção jamais seria possível.
Doutro, o julgamento visual acerca dos componentes físicos que o ambiente proporciona à fotografia – é a escolha, o ângulo, a miséria e a ostentação, é o jogo dos contrários. O momento em que quem fotografa decide o ‘enquadramento’ que utilizará, conforme a sua reserva de gosto e técnica; e quem aprecia [a fotografia] julga o resultado que vê.
Foi nesse enfrentamento de sentimento e juízo, que me dei conta do flanuer! Como eu poderia deixar de falar do flanuer, se o que vejo nas fotografias de Paulo é o encontro visual entre o cotidiano banal e o seu desconhecido?
João do Rio, em “A Alma encantadora da Rua” já havia me dito que Balzac fez todos os seus preciosos achados com o ato de flanar! O próprio João me deu o belo prazer de conhecer um pouco sobre os personagens reais que a cidade nos apresenta pelas calçadas. Disse João que ‘Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem’. Flanar é perambular com atenção e inteligência, é sair por aí e se meter em espaços quaisquer, pisados pelo acaso. O Flâneur, disse João, é quase sempre um ingênuo que busca saber um pouco de tudo e acaba por achar que todo o espetáculo da cidade foi feito ‘especialmente para o seu gozo próprio’.
Nessa situação, mais que um ser que encontra a experiência na fotografia, Paulo é um flanador!
Embora tenha substituído a caderneta de um flaneur por uma câmera fotográfica, ele continua utilizando do ‘observar atento’ de quem caminha na busca pelo ‘acontecer’.
O perambular e a curiosidade.
A fuga. O passatempo.
A ave num ato particular de higiene.
A disposição das paisagens, o pescador encarnado com o seu trabalho e a perseguição de um vira-lata à lente da câmera.
As cores e as luzes, o homeless cicle e o tempo passado de uma pintura que não existe mais. Até mesmo eu, acreditaria que o arranjo do acaso que Paulo fotografa, tenha sido feito para o gozo dele!
Chamaríamos isso de um momento sagrado, de uma experienciação; se não tivesse a escolha, se não tivesse a paciência e se não tivesse o flanar.
A mim, suas fotografias me aferem interrupção e silêncio. Como a experiência, elas não me agitam e nem me excitam, elas me tocam! E como o flanar, elas me envolvem a percorrer caminhos outros; dentro de mim, ou cá fora.
Da experiência, em sua arte há memória, há vulnerabilidade.
Do flanar, o deixar acontecer.
Da informação, o contraste.
Agradeço ao cotidiano e a sua casualidade
Agradeço a você, Paulo, e a sua poesia captada, imóvel e viva!
[1]Notas sobre a experiência e o saber de experiência, de Jorge Larrosa Bondía.